Podemos dizer que ninguém inventou o carro. Este resultou de um processo evolutivo, sendo seus predecessores a carruagem puxada a cavalos, na qual foi montado um motor a vapor, e o triciclo do século XIX, que não era mais que uma bicicleta com uma roda a mais que lhe conferia maior estabilidade. Com o passar do tempo os carros foram perdendo a sua semelhança com a carruagem.
Foram numerosas as influências que condicionaram a atual forma do carro. Técnicos, artistas e legisladores, obedecendo aos ditames da física e da matemática, da estética e da segurança, tiveram todos o seu papel. Poucos daqueles que participaram inicialmente do processo de evolução do carro poderiam ter imaginado o que iria resultar dos seus esforços no período de um século.
Desde o seu aparecimento, em consequência de experiências casuais de pequenos grupos de inventores, o carro evoluiu de tal maneira que veio a transformar a sociedade. Tendo consistido inicialmente num objeto de diversão ao alcance apenas do capricho das classes mais ricas, converteu-se num benefício para milhões de pessoas, num meio de locomoção essencial.
Motor Benz de 1 cilindro e 3/4 de HP, 1885Na origem do carro encontra-se o motor de combustão interna; o primeiro exemplar foi construído em 1860 pelo inventor Étienne Lenoir. A partir de então, chegou-se rapidamente ao que há de fundamental no modelo de um carro.
Primeiras experiências
Experiências isoladas, realizadas em toda a Europa ao longo das décadas de 1860 e 1870, contribuíram para o aparecimento de algo muito semelhante ao carro atual. Uma das mais significativas foi a invenção de um pequeno carro impulsionado por um motor a 4 tempos, construído por Siegfried Markus, em Viena, em 1874. Os motores a vapor, que queimavam o combustível fora dos cilindros, abriram caminho aos motores de combustão interna, que queimavam no interior dos cilindros uma mistura de ar e gás de iluminação. O ciclo de 4 tempos foi utilizado com êxito pela primeira vez em 1876, num motor construído pelo engenheiro alemão Conde Nikolaus Otto. Neste motor o combustível era comprimido antes de ser inflamado, o que resultava um considerável aumento de rendimento do motor.
Ao utilizar como combustível gasolina em vez de gás, conseguiu-se que o motor dispusesse de uma alimentação de carburante independente; a partir de então, pôde converter-se em objeto móvel.
Para que surgisse o carro faltava apenas reunir todos os seus componentes. Os homens que conseguiram realizar esta tarefa são os pioneiros dos carros atuais, Gottlieb Daimler e Karl Benz, que o fizeram de forma independente pela primeira vez.
Daimler, nascido na Alemanha, em 1834, trabalhara com Otto, de quem se separou, em 1872, para abrir a sua própria oficina, perto de Stuttgart, onde passou a contar com a colaboração de Wilhelm Maybach, outro técnico formado também nas oficinas de Otto.
Nesse mesmo ano funcionou o primeiro motor Daimler-Maybach. Em comparação com o motor fabricado por Otto, que funcionava a 200 rpm, o Daimler-Maybach era um motor ligeiro e de alta velocidade que alcançava mais de 900 rpm Este motor foi posteriormente instalado numa carruagem. Os motores Daimler iam sendo constantemente aperfeiçoados. De 1 cilindro só, passaram a ter 2 cilindros em V, alimentados por um carburador de concepção revolucionária, desenhado por Maybach. É surpreendente que um técnico tão ousado como Daimler fosse partidário do rudimentar sistema de ignição em que o combustível era inflamado por meio de um pequeno tubo de platina introduzido na parte superior do cilindro e mantido em brasa graças a um acendendor colocado em sua outra extremidade. Benz, técnico muito menos empreendedor, sempre recorreu a sistemas elétricos de ignição.
Benz, compatriota de Daimler e dez anos mais novo que este, ambicionava construir um carro autopropulsionado. Criou um motor a 4 tempos que, em 1885, instalou na parte de trás de um triciclo , Tratava-se de um motor mais pesado do que o de Daimler e que trabalhava a menos de metade da velocidade de funcionamento deste último motor. Contudo, duas das suas características ainda subsistem: a válvula curta de haste e prato e o sistema de arrefecimento por água. A água, porém, não circulava, ficando armazenada num depósito que tinha de ser alimentado para manter-se cheio, compensando assim as perdas por evaporação.
Em 1886, Daimler construía um carro de quatro rodas. No ano seguinte, Benz, sempre um homem de negócios, iniciou a venda de um carro de três rodas, pondo assim os primeiros carros à disposição da sociedade, sociedade esta que iriam revolucionar. Entretanto, Daimler inventava o motor que seria utilizado como meio de propulsão mesmo depois do início do século XX.
Enquanto trabalhava para Otto, Daimler travou amizade com o advogado Edouard Sarazin, que adquiriu notoriedade ao tomar conhecimento das reivindicações de inventores rivais, motivadas pelas constantes inovações surgidas na época. Foi Sarazin quem deu a conhecer o motor Daimler aos franceses Émile Levassor e René Panhard.
Sarazin conseguiu obter a patente francesa para o referido motor e encarregou Levassor da sua construção. Segundo a lei francesa, os motores deviam ser construídos na França, e não montados com peças importadas de Stuttgart. O carro como é hoje conhecido começou a ganhar forma nas oficinas de Panhard e Levassor. No seu primeiro modelo, fabricado em 1890, o motor encontrava-se montado na parte central do veículo. No ano seguinte foi fabricado um outro carro, desta vez com o motor montado à frente, protegido da lama e da poeira presentes nas estradas, que nada mais eram do que caminhos para carroças. Nesta sua nova posição, o motor impôs ao carro um novo esquema mecânico que iria subsistir nos setenta anos seguintes.
Inovações revolucionárias de Levassor
A contribuição de Levassor para a evolução do carro foi decisiva. Ele substituiu a transmissão por correias de embreagem e caixa de mudanças, estabeleceu o sistema motor dianteiro-tração nas rodas traseiras e foi o primeiro a conceber um carro como uma máquina única, e não apenas como um triciclo motorizado ou uma carruagem sem cavalos. Este critério levou-o a criar carros de qualidade e de técnica avançada.
A utilização do radiador tubular, que consistia num conjunto de tubos com aletas de refrigeração colocados na frente do motor, deve-se também a Levassor.
Na época da morte de Levassor, em 1897, o carro já adquirira sua própria identidade. Os cilindros do motor passaram então a ser dispostos em linha, e não em V, solução primeiramente adotada. A partir desse momento, tornava-se mais fácil para o construtor dar maior potência a um motor, bastando acrescentar a este mais cilindros. Em 1902, a Gasmobile, na América, a Boulet, na França, e a Spyker, na Holanda, haviam já experimentado utilizar 6 cilindros e, no ano seguinte, a British Napier iniciou a produção de um motor com 6 cilindros em linha.
O carro, embora tivesse surgido na Alemanha e sido aperfeiçoado na França, já era fabricado nos Estados Unidos e na Inglaterra antes da passagem do século. O primeiro automóvel americano, o Duryea, começou a circular em 1893.
A contribuição inglesa
Apenas um técnico inglês, Frederick Lanchester, não permitiu que o seu talento fosse sufocado pela legislação ou pelo fato de no continente existirem modelos mais avançados. O seu carro mais famoso, o modelo de 2 cilindros, de 1897, apresentava uma caixa de mudanças de engrenagens planetárias, transmissão por eixo e cardan, em vez de transmissão por corrente, eixo traseiro primário acionado por um sem-fim e, para evitar o ruído e a vibração excessivos, um motor totalmente equilibrado, com duas árvores girando em sentidos opostos.
Na Inglaterra, a lei da bandeira vermelha, rigorosamente aplicada, e o limite de velocidade de 6 km/h retardaram o desenvolvimento dos carros até 1896
Contudo, excetuando-se Lanchester, coube aos franceses aperfeiçoar os modelos dos carros. Destaca-se o playboy aristocrata conde Albert De Dion, cuja fascinação por carros pequenos autopropulsionados levou-o a associar-se a Georges Bouton, construtor de modelos de precisão. Embora os primeiros carros construídos por ambos fossem acionados a vapor, já em 1894 De Dion chegara à conclusão de que o futuro pertencia aos motores a gasolina, pelo que realizava ensaios com um pequeno motor de l cilindro de refrigeração a ar.
O nome De Dion não caiu no esquecimento, já que o eixo traseiro por ele projetado foi por muitas décadas utilizado em automóveis como o Aston Martin, Lancia, Opel e Rover. Foi importantíssima a contribuição que há setenta anos De Dion deu aos carros pela maneira como estimulou o desenvolvimento da concepção do motor.
Os motores De Dion Bouton trabalhavam a mais do dobro da velocidade do tradicional motor Daimler. O DeDion Bouton Populaire, de 1903, de 846 cm3 e l cilindro, desenvolvia 8 HPa 1500 rpm., havendo alguns motores experimentais De Dion que alcançaram 3000 rpm durante períodos de tempo breves. Como termo de comparação, deve considerar-se que os motores dos automóveis atuais de 4 cilindros desenvolvem a sua potência máxima a cerca de 5000 – 7000 rpm. O meticuloso Bouton descobriu quanto um motor se tornaria mais eficiente se fosse convenientemente equilibrado e as suas peças apresentassem um acabamento tão perfeito que os êmbolos ou pistões, se ajustassem exatamente aos cilindros e houvesse uma folga mínima nos apoios.
Motores de mais elevadas rotações trouxeram novos problemas técnicos. O próprio Bouton teve de imaginar um sistema de ignição mais seguro, surpreendentemente semelhante ao conjuntor-disjuntor dos nossos dias, para produzir uma faísca com o motor a elevada rotação.
Outros construtores, como os ingleses Lanchester Riley, chegaram à conclusão de que as válvulas do motor tinham de abrir mecanicamente para funcionarem com eficiência.
Renault assume um papel relevante
A fama alcançada por Renault resulta principalmente de dois fatos: a utilização, por este técnico, de um eixo de transmissão da energia mecânica do motor para as rodas de trás e a incorporação de cardans para permitir o movimento livre da suspensão traseira. Na base destas inovações encontra-se a utilização de um eixo traseiro motor, que Renault registrara a patente em 1899. O eixo de transmissão foi rapidamente adotado por fabricantes de automóveis pequenos. Contudo, nos modelos de maiores dimensões, as correntes mantiveram-se ainda por alguns anos. Acreditava-se que o ruído que estas provocavam era compensado pela segurança que ofereciam. O fato de Renault ter usado a prise, que tornava possível a rotação do motor e do eixo de transmissão à mesma velocidade, acelerou a sua aceitação geral, embora Lanchester já o tivesse tentado.
Outro projeto de Renault que Panhard tentara anteriormente aperfeiçoar não foi tão prontamente aceito pelos fabricantes de carros. Pouco antes da passagem do século, Renault construiu um carro com carroceria fechada, embora apenas quinze anos mais tarde os carros tenham passado a oferecer a todos os seus ocupantes uma proteção contra a chuva, neve, poeira e vento. Foi nesta mesma época que o volante começou a substituir a barra de guiar.
Grande parte do impulso que acelerou a evolução dos carros derivou das competições, tal como hoje faz a Fórmula 1. Freios, pneus, combustíveis, luzes, suspensão, desenhos dos chassis e motores foram aperfeiçoados em função do seu comportamento nas pistas de corridas. Nos primeiros tempos, as corridas, frequentes entre capitais europeias, constituíam o principal salão de exposição de que os fabricantes de carros dispunham.
Émile Jellineck, cônsul austro-húngaro em Nice e agente de Daimler no Sul da França, tinha uma percepção exata do valor comercial do esporte motorizado. Assim, para a corrida de Pau, em 1901, encomendou a Daimler um carro novo com tantos aperfeiçoamentos técnicos que, segundo a sua opinião, iria certamente impressionar os seus clientes. Ao mesmo tempo pediu à companhia que mudasse de nome, já que para os franceses o nome Daimler soava demasiado alemão. Sugeriu que, a partir de então, os carros passassem a chamar-se Mercedes, o nome de sua filha.
O século XX
O carro que correspondeu ao pedido de Jellineck não ganhou a primeira corrida em que participou, mas ficou como um marco na história do automobilismo, Com este modelo os carros passaram do século XIX para o século XX.
Projetado por Wilhelm Maybach, o primeiro Mercedes apresentava numerosas inovações radicais e pode ser hoje considerado o verdadeiro precursor do carro moderno, O seu chassi era de aço prensado e o motor, instalado à frente do compartimento destinado aos ocupantes do veículo, estava coberto por um capô característico. O Mercedes de 1901 assemelhava-se ao carro atual, apresentando linhas que outros fabricantes cedo reconheceram como muito favoráveis às vendas. Os capôs tiveram tal procura que alguns dos fabricantes que ainda utilizavam motores horizontais montados na parte central dos automóveis tiveram de instalar falsos capôs na frente dos seus carros para lhes conferir um aspecto moderno. Técnica e esteticamente os carros haviam ultrapassado a época da carruagem, que, durante dezoito anos, condicionara as suas linhas e concepção.
Nos primeiros carros, bastante altos, o motorista e os passageiros viajavam como que empoleirados num monte de engrenagens, com pouca carroçaria à sua volta.
Duas razões justificavam esta concepção do carro. Em primeiro lugar, ninguém tentara ainda baixar as suas peças mecânicas, que, devido à distância excepcionalmente curta entre os eixos, ficavam amontoadas sob os assentos. Mesmo quando os veículos se tornaram mais compridos e o motor foi afastado do compartimento destinado aos ocupantes, os projetistas não puderam ainda conceber os seus carros à volta da suspensão e transmissão enquanto não foi descoberto um processo de tornar estes sistemas mais compactos.
As grandes dimensões das rodas, que apresentavam por vezes mais de l m de diâmetro, explicam igualmente o fato de os primeiros carros serem mais altos que os atuais. Estas grandes rodas, de dimensões semelhantes às das carruagens, destinavam-se a proteger o veículo, afastando as suas estruturas da superfície acidentada das más estradas de então.
As estradas em mau estado contribuíram para a invenção do pneu. Este, porém, surgiu prematuramente, já que, quando do seu aperfeiçoamento, não havia carros aos quais pudesse ser adaptado. O pneu inflável, embora tenha sido inventado em 1845 pelo escocês Robert William Thomson, foi utilizado apenas passados quarenta e três anos. Foi então que John Boyd Dunlop, outro escocês, registou a patente de um pneu que inventara com o intuito de tornar mais cómoda a bicicleta do seu filho, de dez anos.
Embora o nome de Dunlop persista como marca de pneus, este inventor rapidamente se desinteressou do seu invento, tendo mesmo deixado o lugar na companhia que mais tarde adotou o seu nome.
A adaptação do pneu ao carro foi outra contribuição francesa que se deve a Edouard Michelin, que usou um jogo de pneus criado por ele próprio na corrida Paris-Bordéus, em 1895.
A princípio, os pneus foram adotados pelos fabricantes de carros para proporcionar maior conforto e reduzir a dureza resultante da utilização de molas rijas. A medida que as velocidades aumentavam, aumentava também o perigo de derrapagem, pelo que a banda de rodagem do pneu foram acrescentados dispositivos, como revestimentos destacáveis de couro, que apresentavam tachas salientes de aço.
A evolução dos freios
O aumento da velocidade dos carros teve como consequência a necessidade de melhores freios. Os primeiros carros apresentavam freios simples do tipo dos utilizados em carruagens ou bicicletas, atuando ou nas jantes das rodas traseiras ou sobre o veio de transmissão. Os calços, ou guarnições – peças fabricadas com materiais de fricção -, eram geralmente de couro, madeira ou metal, ou pelo de camelo.
As estradas acidentadas atemorizavam os motoristas de carros. Descer urna ladeira tomava-se muito perigoso, já que os freios rapidamente superaqueciam.
O freio continuou, por alguns anos ainda, esquecido da tecnologia, apesar de dois progressos muito cedo alcançados naquele domínio. Assim, embora Lanchester tenha registrado a patente do primeiro freio de disco em 1902, só passados cinquenta anos este tipo de freio foi devidamente aperfeiçoado visando a sua utilização nos carros. Também em 1908, um cidadão britânico, Herbert Frood (de cujo nome derivou a marca Ferodo), utilizou um tecido de amianto, solidificado em banho de resinas em elevado ponto de fusão, para substituir as guarnições de tecidos de algodão, cuja patente ele próprio registara anteriormente.
Em 1903, a Mercedes apresentou o precursor do freio de tambor convencional, com calços que eram aplicados por expansão de maxilas existentes no interior do tambor.
Os motoristas dispunham normalmente de dois comandos de freios, uma alavanca de mão e um pedal. O freio de mão atuava geralmente sobre as rodas de trás, enquanto o de pedal fazia apertar a cinta em torno de um tambor, no eixo de transmissão. Faltava descobrir o freio do motor, e assim muitos sistemas desengatavam a embreagem (que consistia num cone revestido de couro) quando os freios eram apertados. Para evitar tensões excessivas na transmissão, considerava-se geralmente como principal o freio de mão, o que tornava possível aos motoristas fixarem os freios numa presilha, antes de descerem uma ladeira.
Anteriormente à I Guerra Mundial, embora alguns técnicos europeus de espírito empreendedor, tais como Renouf, Perrot e Isotta-Fraschini, tivessem realizado experiências com freios nas rodas da frente, apenas na década de 1920 este sistema começou a ser amplamente utilizado. Tal fato resultou não de dificuldades no funcionamento destes freios, mas do possível risco da sua interferência com a direção. Além disso, persistia a dúvida sobre o cornando — pedal ou alavanca de mão — que deveria ser escolhido e o conjunto de freios – de trás ou da frente – que deveria ser acionado.
Quando, finalmente, os freios nas rodas da frente se tornaram uma realidade, o excesso de peso na parte dianteira e o seu efeito sobre a condução contribuíram para a adoção da suspensão dianteira independente.
Iluminação da estrada para os carros
O aumento da velocidade dos carros teve como consequência a necessidade de aperfeiçoar não apenas os pneus e freios, mas também os faróis. De início, os automóveis dispunham de lanternas de querosene de luz bruxuleante, semelhantes às utilizadas nas carruagens.
Por volta de 1900, as lanternas de acetileno haviam substituído as de querosene, mantendo-se em uso até a Il Guerra Mundial. O acetileno proporcionava urna luz tão brilhante que tornou necessário inventar o modo de aumentar e diminuir a intensidade luminosa das lâmpadas. A utilização da iluminação elétrica só foi possível depois do aparecimento de lâmpadas adequadas e de um dínamo para conservar a bateria carregada. Os primeiros conjuntos de iluminação elétrica não faziam parte do equipamento normal dos carros; somente a partir da década de 1940 começaram a surgir os faróis da frente montados nos para-lamas como pecas integrantes da linha geral do carro.
Assim nasce um mito no mundo dos carros…
Henry Royce, engenheiro eletrotécnico inglês de reconhecido mérito, concluiu, do seu conhecimento sobre carros, que, para possuir o modelo com a categoria que realmente pretendia, teria de construir o seu. O seu primeiro carro reunia qualidades tão extraordinárias que C. S. Rolls, importador de motores, se associou a Royce, confiante na possibilidade da existência de um mercado de automóveis de qualidade realmente excepcional. Ambos fundaram a famosa Rolls-Royce, Ltd.
Em 1906, produziram um dos automóveis mais elegantes e silenciosos jamais construídos: o Silver Ghost de 7 litros. Embora só o chassi desse modelo custasse, em 1907, 950 libras, o Ghost continuou a ser fabricado durante dezanove anos. Surgiu assim a lenda de ser o Rolls-Royce o melhor carro do Mundo.
Em 1908 o primeiro modelo T da Ford, o Tin Lizzie, foi produzido pela primeira verdadeira linha de montagem do mundo, passando desde então a participar na história do século XX. A partir desse momento, os carros, o automobilismo e a sociedade iriam sofrer uma grande transformação.
O modelo T foi notável sob todos os aspectos. A sua produção durou dezenove anos, tendo sido fabricados 15.007.003 automóveis desse modelo entre outubro de 1908 e maio de 1927. A Ford Motor Company estava de tal modo voltada para a fabricação do modelo T, o Ford “de bigode”, que, quando cessou a montagem deste modelo, teve de encerrar a sua fábrica durante seis meses, a fim de preparar as instalações para o sucessor do modelo T, o modelo A.
Um dos aspectos mais surpreendentes do modelo T é o fato de o seu custo no décimo nono ano ser inferior ao do primeiro. O Runabout o modelo mais barato, aberto e de dois assentos – custava 825 dólares quando da sua aparição e 360 dólares ao cessar a sua produção, tendo o preço descido, em certo momento, para 260 dólares.
O processo industrial de Henry Ford serviu de padrão para a produção em grande escala dos nossos dias. Ford introduziu a primeira linha de montagem rolante do Mundo e novas técnicas de fabricação, como a fundição dos blocos do cilindro numa só peça, com o cabeçote separado, o que diminuía o custo e o tempo de produção. Conservou sempre a simplicidade das linhas dos modelos, que nunca sofreram grandes alterações sendo, todavia, de excepcional qualidade os materiais utilizados. No mundo do automobilismo tornou-se proverbial dizer que os compradores do modelo T podiam escolher a cor que quisessem desde que fosse o preto. Hoje em termos de markting isso seria um atentado, mas foi o que permitiu a Ford baixar o preço do seu modelo T.
Isso só mudou quando Alfred Sloan reuniu as 5 empresas que compunham originalmente a GM e revolucionou a estratégia da marketind da indústria automobilística.
O motor do modelo T tinha 4 cilindros, uma capacidade de 2898 cm3 e desenvolvia urna potência de cerca de 22 HP a 1.500 rpm. Era propositadamente de baixa rotação, tendo em vista uma maior duração. A velocidade máxima do T era de cerca de 64 km/h – limite máximo permitido por lei em muitos dos estados americanos até ao princípio da década de 1930. Embora não atingisse altas velocidades, o T possuía, em contrapartida, uma excelente aceleração, já que apresentava urna relação peso-potência melhor que a de numerosos carros da época esplendidamente equipados, mas que apresentavam uma estrutura pesada como a das carruagens.
O T devia a sua leveza, em parle, à utilização do aço com vanádio e, em parte, às inovações de Ford. Mais resistente do que o aço convencional, aquela liga tornou possível grandes reduções no custo, peso e material. Foi pelo fato de o modelo T apresentar um aspecto tão frágil em comparação com as estruturas maciças dos outros automóveis que o Lizzie foi designado por Tin Lizzie, de tin, que significa lata.
A busca do conforto no carro
O carro, embora tenha sido criado na Europa, foi aperfeiçoado nos Estados Unidos. Durante os dezenove anos da produção do modelo T, a indústria americana do motor percebeu rapidamente o quanto era importante aperfeiçoar o carro, que o público subitamente passou a procurar.
Os técnicos direcionaram seus esforços para tornar os carros mais confortáveis. A distância entre os eixos foi alargada e os bancos de trás foram deslocados mais para a frente, para que os passageiros já não tivessem de suportar todas as sacudidelas do eixo traseiro, situado precisamente sob os assentos. Os carros tornaram-se desta forma muito mais cómodos.
Em 1911, a Cadillac lançou um modelo equipado com um motor de arranque elétrico, o que representou um marco no processo da popularização do carro. Provavelmetle nenhuma outra inovação isolada teve jamais tanto impacto sobre os motoristas do sexo feminino. O referido modelo da Cadillac apresentava luzes elétricas como equipamento normal.
O ritual em que consistia acionar do motor do carro e o esforço que exigia, antes do aparecimento do motor de arranque, seriam suficientes para levar muitos dos motoristas atuais a nunca mais usá-lo.
Os limpadores de para-brisa, acionados à mão foram substituídos, a princípio, por outros acionados por vácuo e, em 1922, pelos elétricos. Anteriormente, o processo vulgar e extremamente incómodo de enfrentar a chuva consistia em abrir a metade superior do para-brisas.
Em 1914 foram adotados os bancos reguláveis para o motorista e, em 1917, alguns dos poucos carros fechados já dispunham de aquecimento. A mudança automática de luz surgiu pela primeira vez em 1921, num modelo americano, enquanto, por volta de 1922, os carros já apresentavam, na sua maioria, um indicador do nível de gasolina. Os mecanismos para abrir e fechar os vidros das janelas (elevadores) apareceram quando, em 1925, os carros fechados se tornaram mais numerosos que os abertos. Nessa época, os para-choques eram comuns nos Estados Unidos, em virtude do trânsito cada vez mais intenso.
Na Europa também surgiram esses melhoramentos, mas considerados como acessórios, tal como acontecia, por exemplo, com os velocímetros, amortecedores, as luzes elétricas e os motores de arranque.